Ele me disse, sim, ele me disse com muito despeito "Está fugindo do que garoto? Está fugindo do mundo?" Ele tinha bigodes brancos e negros e um boné azul.
Dirigia um caminhão da companhia elétrica local e parou pra me dar carona "Vai pra onde?" "São Sebastião" "Sobe!". Eu não fugia de nada. Estendi o dedão pra
cinquenta carros antes dele parar, pensei que fosse um cara legal, mas tinha muitos sermões pra dar. O caminho era sinuoso, de um lado a floresta, do outro o
abismo e então o oceano vasto como só o mar e o céu podem ser. Lindo lugar, eu mesmo rindo de nada, vida linda também apesar da injustiça. No caminho, na
estrada, poucas roupas, nenhuma grana, uma casa em cada parte, que lugares na próxima cidade e quais pessoas? Eu não fugia de nada. O cara trabalhava muito,
tinha mulher sem filhos e casa e carro, não gostava de viajar por mais de dois dias e assim levava com fé em deus, digno, digníssimo. Mas e quanto a mim? Ele
já tinha todas as respostas, fez as perguntas por costume "Você vem fugido de casa?" "Usa drogas? Bebe muito?" "Não devia trabalhar? Viajar nas férias,
comprar passagens, hotel?" "Porque não faz alguma coisa útil com seu tempo?" Ahhhhhhhhhhhhhhhh, o meu tempo, meu precioso, valioso e curtíssimo tempo sofre
de inutilidade! Fazer qualquer coisa por amor é ilegítimo, não se registra em carteira nem gera renda, entendido? Certo, rebati as facadas com monossílabos,
ele pisava fundo rolava o trajeto e eu aproveitava a vista enquanto meus pés pulsavam, molhados e moídos, mas ainda havia outro golpe, estava ansioso pra
finalizar comigo e mostrar que tinha razão, essa desgraça chamada razão, e me salvaria da perdição naquele nosso encontro, então falou, é, ele falou assim
"Já entendi garoto, isso tudo é muito bonito, mas você é novo, depois cresce e vê que perdeu tempo, em São Paulo é que estão as oportunidades, tem que
aproveitar e trabalhar muito, não adianta sair por aí a toa, acaba fazendo besteira. Está fugindo do que garoto? Está fugindo do mundo?" Eu não fugia de nada
eu ia de encontro!!! Deixar a cidade é deixar a redoma, é saltar do aquário pro veio dágua que dá no rio e em todas as águas do mundo, eu ia encontrar um
jeito, uma fórmula de viver nesse mundão doido e careta, eu ia encontrar quem me dizesse a verdade sobre pequenas coisas tão bonitas e simples e também ia
encontrar uma resposta pro nosso tempo, uma resposta que paira diante de todos velada como o grande segredo. Saltei do veículo, agredeci e ele soltou "não quero ver seu retrato no jornal hein", ri um pouco, cara legal afinal, só tinha medo do que lhe era estranho, devia sentir falta de uma certa chama que lhe queimara o peito na juventude, então fugia sempre dentro da mesma rotina!
quarta-feira, 17 de março de 2010
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